Como as mulheres lésbicas devem ser representadas na mídia?
29 de agosto marca o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Esta data faz referência à realização do I Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), em 1996. Desde então, poucos avanços aconteceram e a luta contra o sistema patriarcal e racista e para que mais espaços sejam conquistados, visibilizando essas mulheres, ainda se faz muito necessária.
Segundo dados do Dossiê sobre Lesbocídio, elaborado pelo “Grupo de Pesquisa Lesbocídio – as histórias que ninguém conta”, entre 2000 a 2017, foram registrados no Brasil 180 homicídios de lésbicas, tendo um aumento significativo no período de 2014 a 2017, passando a 126 casos.
As diversas tentativas de silenciamento da população lésbica se expressam, muitas vezes, nas mais variadas esferas, entre elas na representação midiática dessas mulheres. No telejornalismo ou nas novelas, ainda é difícil ver lésbicas em posição de destaque ou como fonte jornalística. Na maioria das vezes, o que vemos é uma versão estereotipada e preconceituosa desse grupo.
Nós conversamos com duas ativistas lésbicas para saber como elas observam a inserção da pauta na mídia e como elas acham que seria a maneira correta da mídia dar visibilidade a essas mulheres. Marcelle Esteves é assistente social e vice-presidente do Grupo Arco-Íris e Camila Marins, jornalista e editora da Revista Brejeiras.
Com base nessa conversa, elaboramos uma lista para que você não colabore para a manutenção de discursos lesbofóbicos e estigmatizantes. Confira:
Dê espaço para as mulheres lésbicas falarem
Não apague a sexualidade lésbica nos veículos de comunicação, mas utilize essas mulheres como fontes jornalísticas. Camila Marins aponta: “basta analisar a cobertura da mídia sobre a Parada LGBT, lazer, saúde, segurança pública, educação e cultura. Nós não temos nossas narrativas, nem nossas fotografias estampadas nos veículos de comunicação. Os porta-vozes sempre são homens brancos e cis”.
Fuja dos estereótipos
Não chame as mulheres lésbicas de “gay” e não estereotipize a relação delas. Marcelle e Camila concordam ao falar sobre estes pontos. Para elas, é importante não só visibilizar a homofobia, mas também a lesbofobia. “É como falarem que somos ‘mulher macho’, como muitos programas sensacionalistas de TV fazem, veiculando até certo traço de transfobia”, lembra Camila.
Dê voz às lésbicas negras
É fundamental racializar a representação lésbica na mídia. É possível notar, segundo Camila e Marcelle, que a representação de casais de lésbicas é sempre entre duas mulheres brancas. “Por que sempre representar essas mulheres em casais brancos e não com mulheres negras? Por que as mulheres negras sempre serão as caminhoneiras, que falam errado? Por que não colocar duas mulheres negras bem-sucedidas, empoderadas e bem resolvidas?”, questiona Marcelle. Camila completa: “queremos representatividade, mas não qualquer uma”.
Não fetichize o corpo delas
Não fetichizar a relação de mulheres lésbicas é muito importante. Para Marcelle, o padrão corporal é algo que a mídia coloca de forma errônea sobre o corpo lésbico. “Ou seja, para retratar casais de lésbicas, é preciso antes encaixar seus corpos nos padrões e exigências da feminilidade e da heteronormatividade, para que soe atraente aos homens”, completa Camila.
Marcelle alerta que há uma necessidade de se repensar a abordagem midiática sobre essas mulheres, sobretudo, quem fala, o que fala e como representa a sexualidade lésbica. E Camila acrescenta: “meu sonho é ver lésbicas em todas as mídias de maneira afirmativa, não apenas na tragédia ou de maneira que nos criminalize”.
No que tange à data, ainda existem muitos passos a serem dados, principalmente se falarmos de políticas públicas efetivas, que assegurem os direitos de mulheres lésbicas. No Rio, o Projeto de Lei de Marielle Franco, vereadora brutalmente assassinada no início do ano, instituiria o Dia da Visibilidade Lésbica no calendário da cidade, mas foi rejeitado por 2 votos.
A Aliança Nacional LGBTI lançou, em junho, o Manual de Comunicação LGBTI+, com o objetivo de orientar jornalistas e estudantes de jornalismo sobre a seleção vocabular na hora de escrever uma reportagem. O material está disponível em http://www.grupodignidade.org.br/wp-content/uploads/2018/05/manual-comunicacao-LGBTI.pdf. “Nesse dia 29 de agosto, visibilidade sim, mas acima de tudo respeito, dignidade e empoderamento”, finaliza Marcelle.
Foto: Aline Macedo